Quem será o mair no Reino dos Céus. Meditação Filosófica/Teológica de Mateus 18,1-5.10
A passagem de Mateus 18,1-5.10 não é apenas um ensinamento moral, mas uma profunda subversão da hierarquia social e uma redefinição radical da grandeza. Ao responder à pergunta dos discípulos – "Quem é o maior no Reino dos Céus?" – Jesus emprega um gesto simples (chamar uma criança) que carrega o peso de uma reconfiguração filosófica e ética. A chave para desvendar essa inversão reside na etimologia dos conceitos centrais: conversão e humildade.
O imperativo de Jesus, "se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus" (v. 3), apela a uma mudança radical. O termo grego utilizado é metanoia que significa literalmente uma "mudança de mente" ou "mudança de direção do pensamento". No contexto de Mateus, a conversão exigida não é meramente um ato emocional ou superficial, mas uma completa reestruturação da razão e do sistema de valores que orienta a vida. Os discípulos pensavam segundo a lógica do cosmos, o mundo organizado em hierarquias; Jesus exige que eles pensem segundo a lógica do Reino.
A nova lógica do Reino é simbolizada pela criança, que encarna a humildade.
A palavra humildade deriva do latim, humilits, que, por sua vez, está ligada a humus, o "chão", a "terra fértil". Etimologicamente, ser humilde é estar ligado à terra, aceitar a própria condição de criatura finita e dependente.
Essa ideia contrasta drasticamente com a ética da grandeza do mundo grego-romano, onde a virtude (virtus em latim) era associada à força, ao poder e ao mérito do cidadão adulto e ativo. Jesus inverte essa metafísica do poder, estabelecendo que: O verdadeiro virtus (força moral) reside na capacidade de aceitar a própria vulnerabilidade e dependência.
A maioria no Reino é alcançada através da minoria social. Aquele que se faz "pequeno" não é o tolo, mas o indivíduo que desiste da autossuficiência e da arrogância em favor da docilidade e da confiança.
O versículo 10 ("Não desprezeis nenhum desses pequeninos...") eleva essa "pequenez" a uma dignidade inviolável, justificada pela vigilância dos anjos de Deus.
A criança, ou o "pequenino", representa a fragilidade humana fundamental. Na perspectiva da Ética do Cuidado, o valor de uma comunidade não é medido pela riqueza ou poder de seus membros mais fortes, mas sim pela forma como ela protege os seus mais frágeis.
Jesus desmantela as estruturas de prestígio religiosas da época (fariseus, escribas) que usavam o conhecimento e o status para exercer poder. Ele funda uma Comunidade de Inversão, onde o serviço e a acolhida do marginalizado são a única forma legítima de autoridade.
Mateus 18,1-5.10 é um manifesto que utiliza a figura da criança como um paradigma de metanoia. O "Reino dos Céus" é um projeto ético e social que exige a conversão da mente (metanoia) de uma lógica de competição e poder para uma lógica de humildade e cuidado com a vulnerabilidade alheia. É uma exortação perene a reconsiderar onde realmente reside a grandeza humana.
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