Quem tiver a fé do tamanho do grão de mostarda. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 17, 5-10

O Evangelho de Lucas 17, 5-10 apresenta dois ensinamentos cruciais de Jesus que definem a natureza do discipulado: a qualidade da fé e a gratuidade do serviço. Esta passagem, dividida em duas partes interligadas, convida a uma profunda reflexão teológica e filosófica sobre a nossa relação com o transcendente e com o dever moral.

A primeira cena se inicia com um pedido sincero dos apóstolos: “Aumenta a nossa fé!” (Prósthes hēmīn pístin). Etimologicamente, a palavra grega pístis não significa apenas "crença", mas confiança, fidelidade, e adesão total a uma pessoa. Os discípulos sentiam-se incapazes de viver as exigências radicais do Evangelho sem uma quantidade maior desse dom.

Jesus, contudo, desvia o foco da quantidade para a qualidade. Ele afirma que, se tivessem fé do tamanho de um grão de mostarda (kokkon sinapéōs), poderiam ordenar a uma amoreira (sykaminos – árvore robusta de raízes profundas) que se plantasse no mar, e ela obedeceria. Esta é uma metáfora poderosa para a potência do ato de fé. Não se trata de quantitas (quantidade), mas de qualitas (qualidade). A fé, mesmo pequena, se for autêntica e sincera, contém o poder (dynamis) de Deus para realizar o impossível. A Igreja Cristã ensina que a fé é, primeiramente, um dom sobrenatural que nos capacita a ir além da mera razão para aderir à verdade de Deus.

A segunda parte (versículos 7-10) é um desafio direto à lógica do mérito e da recompensa, ensinando a virtude da humildade. Jesus utiliza a parábola do servo que cumpre sua dupla jornada de trabalho no campo e em casa, e conclui: “Será que [o senhor] vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado?” A resposta implícita é não.

A aplicação é imediata: “Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.

O serviço do discípulo é to deon – o que é necessário, o dever. Não é um favor prestado a Deus, mas a resposta de fidelidade à nossa condição de criaturas e discípulos. No pensamento moral, o dever (officium em latim) é um imperativo ético que deve ser cumprido pelo dever, e não pelo interesse em uma recompensa.

A expressão-chave é “servos inúteis” (douloi achreioi). Etimologicamente, doulos significa "escravo" ou "servo", e achreios significa "inútil, sem lucro, sem necessidade". Esta não é uma declaração sobre o valor do serviço prestado (que é imenso aos olhos de Deus), mas sobre a ausência de mérito que nos autorize a exigir algo de Deus. Este ensinamento é uma crítica profunda à lógica da meritocracia na esfera espiritual. Não podemos colocar Deus em dívida.

A mensagem de Lucas 17, 5-10 é um convite à maturidade espiritual. A fé é o poder que move a vontade; a humildade é a condição para que esse poder se manifeste. Servir a Deus é simplesmente cumprir o dever (to deon) de uma criatura para com seu Criador, sem esperar o reconhecimento ou o aplauso que anulam o valor do ato gratuito.

Portanto, o discípulo é aquele que confia no poder de uma fé genuína (pístis) e que age com humildade radical (achreios), entendendo que o serviço é, em sua essência, um ato de amor e gratidão, e não uma busca por lucro ou recompensa divina. É um serviço que encontra sua própria recompensa na realização do dever moral e espiritual.

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