O bom Samaritano. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 10,25-37
O trecho de Lucas (10,25-37), que narra a Parábola do Bom Samaritano, configurando-se como um profundo texto ético, filosófico e social que define o verdadeiro significado do amor ao próximo e, consequentemente, da vida eterna. Apresentada em resposta ao Doutor da Lei que desejava justificar seus limites sobre quem seria seu "próximo", a parábola não apenas responde à questão, mas redefine radicalmente a prática da fé.
A parábola é o cumprimento prático e a chave de leitura do maior de todos os mandamentos: amar a Deus e ao próximo. Jesus expõe a falácia da ortodoxia sem caridade ao apresentar o Sacerdote e o Levita. Estes, figuras da mais alta hierarquia religiosa judaica, estavam atrelados a preceitos rituais (como o medo de se contaminar com um corpo, impedindo o ofício no Templo) que se sobrepuseram à misericórdia. Sua omissão denuncia uma religião vazia, presa à letra da Lei.
Em contraste, o Samaritano – um herege e inimigo social dos judeus – torna-se o modelo de Cristo. Sua atitude de parar, curar as feridas com vinho e azeite (símbolos da cura e do consolo) e custear a recuperação do homem agredido, é a imagem viva da misericórdia divina que se inclina sobre a humanidade ferida. A conclusão ("Vai, e faze tu o mesmo") é clara: a salvação não reside no saber, mas no agir com compaixão.
Encontramos dimensões Filosóficas, Sociológicas e Psicológicas na parábola, é um marco na Filosofia Moral, pois estabelece a ética da alteridade e do cuidado, que supera o dever legal. O Samaritano não age por regra, mas por uma necessidade intrínseca de responder ao sofrimento. A ação nasce da compaixão, traduzida no grego por "splangchnízomai", que significa "sentir nas entranhas". Etimologicamente, essa palavra denota um movimento visceral e profundo que arranca a pessoa de sua zona de conforto e a impele à ação imediata em favor do Outro. O amor, aqui, é uma dádiva que se manifesta na interrupção do próprio projeto em função da vida alheia.
Jesus opera um choque proposital. Ao escolher o Samaritano como o herói, ele destrói todas as barreiras de classe, etnia e religião. Os grupos de prestígio (Sacerdote e Levita) falham, e o marginalizado (o Samaritano) cumpre a Lei. A Parábola ensina que o próximo não é o familiar ou o pertencente ao seu grupo, mas sim todo e qualquer ser humano em situação de vulnerabilidade. Essa mensagem é uma crítica atemporal à exclusão social baseada em preconceitos e uma convocação à construção de uma comunidade que se define pela solidariedade universal.
O Sacerdote e o Levita viram o homem, mas a indiferença e a racionalização (o medo, a pressa) criaram uma distância psicológica que permitiu a omissão. Eles sofrem de uma cegueira do coração. O Samaritano, ao contrário, demonstra a empatia em ação. Sua compaixão transforma a dor alheia em uma prioridade pessoal, superando o egoísmo e o medo. O "Bom Samaritano" torna-se, assim, o arquétipo da capacidade humana de transcender o próprio eu para engajar-se ativamente no socorro e na cura do outro.
A Parábola do Bom Samaritano é o manifesto da fé em ação. Ela exige que a vida cristã se desenrole na "estrada do Sangue" (o caminho das dores humanas), e não apenas no conforto dos ritos e dogmas. Para alcançar a vida plena, a resposta não está na formulação teórica, mas na pergunta prática que devemos fazer a nós mesmos a todo momento: "De quem eu me farei próximo hoje?" A vida eterna, portanto, se inicia na capacidade de ver, sentir e agir como o Samaritano.
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