Jesus expulsa demônios. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 11,15-26
A passagem de Lucas 11,15-26 oferece um rico campo de análise que transcende a teologia pura, permitindo reflexões profundas nas esferas do conhecimento humano. O cerne da perícope é a refutação de Jesus à acusação de que Ele expulsa demônios pelo poder de Belzebu, o príncipe dos demônios, culminando na afirmação da chegada do Reino de Deus e no alerta sobre a recaída espiritual.
Podemos entender esta passagem como uma demonstração clara da missão messiânica de Jesus e do estabelecimento do Reino de Deus. A acusação de que Jesus age por Belzebu (um nome que designa o "chefe dos demônios" ou o Maligno) é um paradoxo ilógico, que Jesus desarma com o princípio da coesão: "Todo reino dividido contra si mesmo será destruído." (v. 17). O Mal não pode efetivamente lutar contra si mesmo; a expulsão de demônios é, portanto, um ato de guerra contra o Reino de Satanás, não uma aliança.
A expressão crucial é: "Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus" (v. 20).
Dedo de Deus (Digitus Dei): Esta metáfora bíblica, já presente no Antigo Testamento (Êxodo 8,19, onde os magos do Faraó reconhecem a intervenção divina nas pragas), simboliza o poder imediato e inconfundível do Espírito Santo em ação. A expulsão de demônios é a manifestação física e irrefutável de que o poder de Deus, o Reino, invadiu o domínio do Maligno. É a prova de que Deus está ativamente envolvido na história humana para a Salvação.
O Homem Forte (vv. 21-22): A parábola do "homem mais forte" simboliza a vitória de Cristo sobre Satanás (o "homem forte e bem armado"). O ministério de libertação de Jesus é a invasão do Reino de Deus que "amarra" Satanás, retirando-lhe o poder sobre a humanidade ("arranca-lhe a armadura") e resgatando aqueles que estavam sob seu domínio ("reparte o que roubou").
Esta passagem estabelece um princípio universal de estabilidade: a coerência é o pilar de qualquer estrutura.
A máxima sobre o "reino dividido" é um axioma de lógica política e social. Jesus apela à razão: a Divisão leva inevitavelmente à Anarquia e à Ruína. Este princípio aplica-se a qualquer sistema: um Estado, uma família, uma instituição ou, na metáfora de Jesus, o próprio reino do mal. Na filosofia ética, a divisão interna, ou a Incoerência Moral, torna qualquer ação (seja ela má ou boa) ineficaz.
Em termos sociológicos, a advertência "Todo reino dividido contra si mesmo será destruído" é um alerta contra a polarização extrema. Sociedades, comunidades e famílias só persistem quando há um mínimo de coesão, de "recolhimento" em torno de um bem comum, ainda que haja diversidade de opiniões. A divisão (do Maligno) coloca pessoas umas contra as outras, destruindo a unidade necessária para a convivência e o progresso. A afirmação "Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, dispersa" (v. 23) sublinha que, na luta pelo Reino, a neutralidade é impossível e a falta de esforço pela união resulta em dispersão social.
A última parte do Evangelho, a parábola do Espírito Mau que Retorna (vv. 24-26), é uma poderosa alegoria sobre a psicologia do ser humano e o processo de conversão ou mudança de comportamento.
A "casa" é a alma humana. A expulsão do espírito mau (o vício, o trauma, o comportamento destrutivo) é o processo de libertação ou purificação inicial. A casa fica "varrida e arrumada", representando um estado de vazio existencial ou neutralidade após o afastamento do mal. É o momento de uma "limpeza" superficial.
O problema surge na ausência de preenchimento. O espírito maligno, ao retornar e encontrar a casa "varrida e arrumada" mas desabitada (sem um novo "Senhor"), traz consigo sete espíritos piores. Psicologicamente, isso ilustra o perigo da recidiva ou recaída. A remoção de um mau hábito ou de uma patologia (o demônio) não é suficiente; se a pessoa não preencher o vazio com valores positivos (o Espírito Santo, o Reino de Deus, um novo propósito), ela estará vulnerável a um estado pior que o inicial. É a necessidade de Conversão Genuína, que não é apenas o afastar-se do mal, mas o acolher ativamente o bem. O v. 26, portanto, enfatiza a urgência de preencher a vida com a Presença de Deus para garantir a estabilidade e a permanência na Graça.
Lucas 11,15-26 é uma defesa teológica e uma lição existencial. É o anúncio da vitória de Cristo sobre o Mal, um postulado sobre a necessidade de coesão para a sobrevivência de qualquer sistema, e um alerta sobre a necessidade de preencher o vazio da vida com o bem após a libertação do mal para evitar uma ruína maior.
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