A cura da sogra de Simão. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 4,38-44.
Escrevo estas linhas movido pela reflexão do Evangelho de Lucas 4,38-44, um texto que, à primeira vista, parece uma simples crônica de milagres. No entanto, ao aprofundarmos a leitura com os olhos da filosofia e da teologia, revelam-se mistérios profundos sobre a natureza de Cristo e a missão de sua Igreja.
A narrativa inicia-se com a cura da sogra de Simão. A febre alta não é apenas um mal físico; na filosofia antiga, a doença era frequentemente vista como uma ruptura da harmonia, um desequilíbrio entre o corpo e o espírito. A ação de Jesus é um ato de restauração metafísica. Ele não apenas toca a carne, mas restabelece a ordem interior. O Logos, o Verbo que no princípio era Deus (cf. João 1,1), manifesta-se em um ato de autoridade que reordena a natureza humana, fragilizada pela Queda. A sogra de Simão, ao ser curada, imediatamente se levanta e serve. Este é o ponto crucial: a cura não é um fim em si mesma, mas uma potencialização para o serviço. A liberdade do corpo convalescente é direcionada para a Caridade, ecoando a verdade de que a graça de Deus nos liberta para o amor.
A passagem do dia para a noite traz consigo uma multidão de enfermos e endemoninhados. Jesus, em um ato de infinita compaixão, cura a todos. Contudo, ao amanhecer, Ele se retira para um lugar deserto. Aqui, testemunhamos a dialética fundamental da vida de Cristo: a tensão entre a ação, a cura, a misericórdia e a contemplação, a oração solitária. Este retiro (que pode ser no deserto ou em Madrid) não é uma fuga, mas uma fonte de discernimento.
A ação de Cristo é informada pela sua essência divina. Ele não age por impulso ou popularidade, mas segundo um plano eterno. O deserto é o lugar da clareza, onde a mente e o coração se alinham com a vontade do Pai. A atitude de Jesus nos ensina que o ativismo, por mais nobre que seja, deve ser sempre alimentado pela comunhão com o Transcendente. A cura dos corpos é um ato de bondade, mas o propósito maior é a salvação das almas. A retirada de Jesus para a oração é a prova de que a missão do Reino não pode ser reduzida a uma mera assistência social; ela é, em sua essência, um movimento do espírito.
Ao ser encontrado pela multidão, que desejava retê-Lo, Jesus lhes diz: "É preciso que eu anuncie a Boa-Nova do Reino de Deus também a outras cidades, pois foi para isso que eu fui enviado." Esta frase revela a verdadeira prioridade de sua missão. Os milagres são sinais, mas o significado é a proclamação da Palavra. A ação de Jesus em curar é uma linguagem, uma metáfora viva do poder de Deus, mas a Palavra falada é a revelação explícita da Verdade.
A razão nos permite ver a ordem e a harmonia nos milagres de Jesus; a fé nos leva a crer no seu significado mais profundo. A pregação na sinagoga, mencionada no final do trecho, não é um apêndice, mas a culminação da missão de Cristo. Ele não é apenas o curador, mas o Mestre, o Logos que se fez carne e agora fala a Verdade que liberta.
Que estas reflexões possam fortalecer a tua fé e a tua razão, e que a Palavra de Cristo seja a luz que guia os teus passos.
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