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A mostrar mensagens de setembro, 2025

A parábola da torre. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 14:25-33

O trecho de Lucas 14:25-33 apresenta as exigências radicais do discipulado de Jesus. O texto aborda três pontos principais: a hierarquia de amores, a aceitação do sofrimento e o desprendimento total. O chamado para "odiar" a família (misein) não significa aversão, mas a prioridade absoluta de Jesus. O amor a Ele (agape) deve ser o telos (propósito) da vida, subvertendo a ordem natural do oikos (família). Observamos no texto uma metanoia, uma reorientação total do amor humano. Levar a cruz é a aceitação do pathos (sofrimento) de Cristo, uma participação em sua kénosis (esvaziamento de si). Ao contrário da filosofia grega que buscava evitar o sofrimento, o cristianismo o integra como um meio de purificação e redenção. A renúncia aos bens é uma praxis (prática) necessária para o discipulado. O desprendimento é um ato de liberdade, permitindo que a vida seja inteiramente dedicada à comunhão com o Reino de Deus. Em essência, a passagem é uma proclamação existencial de que a verdad...

Escolha dos 12 apóstolos. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 6:12-19.

A passagem de Lucas 6:12-19 descreve um momento crucial na vida de Jesus: a escolha dos doze apóstolos, a cura de muitos enfermos e o discurso que se segue, que é a base do Sermão da Planície. A teologia interpreta este evento não apenas como um relato histórico, mas como uma proclamação filosófica e existencial que ecoa termos e conceitos da filosofia grega. A passagem começa com Jesus subindo a um monte para orar durante a noite. Este ato de isolamento e introspeção é a base para a kénosis de Jesus, termo grego que significa o "esvaziamento de si". Na filosofia, a busca pela alétheia (verdade) e o distanciamento do mundo material são centrais. Aqui, Jesus se retira do mundo para se conectar com a verdade divina, preparando-se para um ato de doação. Ao escolher os doze apóstolos, Jesus estabelece um novo polis, ou "cidade-estado". A filosofia grega, especialmente em Platão e Aristóteles, via o polis como o local de realização humana, onde a eudaimonia (bem-estar, f...

Genealogia de Jesus e anúncio do nascimento. Meditação Filosófica/Teológica de Mateus 1,1-16.18-23

 A proclamação do Evangelho de Mateus 1,1-16.18-23 pode ser analisada como um texto que vai além do religioso, tocando em questões filosóficas, psicológicas, antropológicas e sociais. A narrativa não é apenas sobre eventos, mas sobre a essência da condição humana e a relação com o divino. A longa lista de nomes que compõe a genealogia de Jesus é um rico documento antropológico e filosófico. Ela não é um mero registro; é a construção de uma identidade. O texto argumenta que a identidade de Jesus não é isolada, mas está profundamente enraizada na história de um povo. Isso levanta a questão filosófica do determinismo histórico: até que ponto nossas vidas são moldadas pela nossa herança e passado? A inclusão de figuras controversas como Tamar e Rute, que não se encaixam no padrão social ideal, subverte a expectativa de uma linhagem "pura". Sociologicamente, isso desafia as noções de exclusão e pureza racial ou religiosa. Filosoficamente, sugere que o sagrado e o plano divino oper...

Jesus é Senhor do sábado. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 6,1-5

 A passagem de Lucas 6:1-5 não é apenas uma história; é um confronto filosófico sobre o significado da lei e o propósito da religião. O cerne da questão reside na tensão entre dois modelos de pensamento: A Visão Farisaica, Nomocêntrica, a lei é o centro do universo moral e religioso. A palavra grega "nomos" significa "lei", e sua visão pode ser descrita como nomocêntrica. Para eles, a obediência literal e inquestionável à lei, incluindo as tradições orais que a cercavam, era o caminho para a retidão e a honra a Deus. O sábado era sagrado por si mesmo, e qualquer "trabalho" (como colher grãos) o profanava. Nessa filosofia, o homem existe para a lei. Na visão de Jesus, Antropocêntrica e Agápica, Jesus subverte essa ordem. Sua filosofia pode ser descrita como antropocêntrica (do grego "anthropos", "homem") e agápica (do grego "ágape", "amor divino"). Para ele, a lei não é um fim em si mesma, mas uma ferramenta para prom...

Odre e remendos novos. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 5:33-39

A passagem de Lucas 5:33-39, com as parábolas do remendo novo e do vinho novo, é uma profunda reflexão filosófica sobre a natureza da mudança e a incompatibilidade entre o novo e o velho. Jesus não está apenas dando conselhos práticos, mas estabelecendo princípios que questionam nossas estruturas de pensamento e ação. As parábolas revelam uma ontologia da novidade. O "vinho novo" e o "remendo novo" representam uma realidade que é fundamentalmente distinta do que veio antes. Eles não podem ser simplesmente acomodados por estruturas pré-existentes, como a "roupa velha" e o "odre velho". A lição aqui é que certas transformações, para serem autênticas, exigem uma ruptura com o passado, e não apenas uma reforma. A rigidez do velho, que simboliza mentalidades e sistemas inflexíveis, é o que o leva à autodestruição, pois não pode conter a vitalidade e a expansão do novo. Jesus critica a ética do ritualismo cego dos fariseus, que se baseava no cumpriment...

A pesca milagrosa. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 5,1-11.

 A passagem de Lucas 5,1-11, que narra a pesca milagrosa é um dos episódios do Evangelho que oferecendo múltiplas camadas de interpretação. Podemos extrair da passagem verdades universais sobre a natureza humana, a relação entre fé e razão, e a transformação pessoal. O Fracasso e a Persistência: A situação inicial de Simão Pedro, que "não pescou nada durante toda a noite", simboliza o fracasso e a frustração humana diante do esforço sem recompensa. A razão e a experiência de pescador de Pedro sugerem que continuar é inútil. No entanto, o comando de Jesus questiona essa lógica. A "pesca milagrosa" representa a irrupção do inesperado, do transcendental, que subverte a ordem da experiência. Isso levanta a questão de se o conhecimento empírico é a única fonte de verdade ou se há um "além" que pode redefinir nossa realidade. A Conversão da Vontade e da Razão: O "sim" de Pedro à ordem de Jesus ("se é a tua palavra, lançarei as redes") é uma a...

A cura da sogra de Simão. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 4,38-44.

Escrevo estas linhas movido pela reflexão do Evangelho de Lucas 4,38-44, um texto que, à primeira vista, parece uma simples crônica de milagres. No entanto, ao aprofundarmos a leitura com os olhos da filosofia e da teologia, revelam-se mistérios profundos sobre a natureza de Cristo e a missão de sua Igreja. A narrativa inicia-se com a cura da sogra de Simão. A febre alta não é apenas um mal físico; na filosofia antiga, a doença era frequentemente vista como uma ruptura da harmonia, um desequilíbrio entre o corpo e o espírito. A ação de Jesus é um ato de restauração metafísica. Ele não apenas toca a carne, mas restabelece a ordem interior. O Logos, o Verbo que no princípio era Deus (cf. João 1,1), manifesta-se em um ato de autoridade que reordena a natureza humana, fragilizada pela Queda. A sogra de Simão, ao ser curada, imediatamente se levanta e serve. Este é o ponto crucial: a cura não é um fim em si mesma, mas uma potencialização para o serviço. A liberdade do corpo convalescente é ...

O endemoniado de Cafarnaum. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 4,31-37

Ao refletir sobre a passagem de Lucas 4,31-37, ela nos permite ir além do dogma e nos aprofundarmos nas questões que nos tornam humanos. Pensemos na natureza da autoridade. A filosofia questiona: de onde vem o poder de um mestre? Naquela época, os escribas tinham sua autoridade baseada no estudo e na tradição. Eles falavam citando outros, construindo seu argumento sobre o que já era conhecido. Jesus, no entanto, fala com uma autoridade intrínseca. Ele não se apoia em ninguém, sua palavra é a própria fonte do que Ele ensina. Isso nos leva a uma reflexão profunda sobre o conhecimento. Existe um tipo de conhecimento que não é aprendido, mas é inerente à própria natureza de quem o possui? A filosofia de Platão, por exemplo, sugere que há uma Verdade Absoluta que existe por si mesma. Jesus, nesse sentido, seria a manifestação dessa Verdade, uma autoridade que não é adquirida, mas é. A passagem também nos confronta com o problema do mal. A filosofia há muito tempo tenta entender a origem e a...

Jesus entra na sinagoga de Nazaré. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 4:16-30

Ao revisitar a cena em Lucas 4:16-30. Jesus entra na sinagoga de Nazaré e, ao ler o texto de Isaías, não está apenas citando uma profecia; ele está fazendo uma declaração ontológica sobre sua própria existência e propósito. A frase "O Espírito do Senhor está sobre mim" (Pneuma Kyriou ep' eme) não é um simples ato de inspiração, mas a manifestação de uma realidade transcendental na esfera da história humana. Ele é o ungido (Christos), o Messias, cujo ser se define por sua missão. A proclamação de Jesus é um grito pela liberdade. O termo "liberdade" é expresso por  apheseis, que significa tanto "perdão" quanto "libertação". O que ele propõe não é apenas a libertação de correntes físicas, mas uma libertação existencial do ser. A visão de Jesus é uma ética da alteridade, um conceito filosófico que nos força a ver o "outro" (o pobre, o cego, o oprimido) não como um objeto de caridade, mas como um sujeito cuja dignidade nos impõe uma resp...