A Crítica Radical de Jesus. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 11,42-46

 O texto do Evangelho de Lucas 11,42-46 apresenta um dos mais contundentes diagnósticos sociais e éticos de Jesus de Nazaré, dirigindo-se aos fariseus e mestres da Lei. Longe de ser apenas uma repreensão religiosa, esta passagem constitui uma crítica filosófica atemporal sobre a autenticidade, a estrutura de poder e a verdadeira natureza da moralidade.

A essência da denúncia de Jesus reside na inversão de valores: a meticulosidade no detalhe obscurece o mandamento maior. Os fariseus são condenados por sua obediência legalista no trivial (“pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as outras ervas”), enquanto negligenciam o fundamental: a justiça e o amor de Deus. Esta crítica dialoga diretamente com a Ética Deontológica de Immanuel Kant. Segundo Kant, o valor moral de uma ação reside não em sua conformidade externa, mas na máxima que a orienta – ou seja, na intenção de cumprir o dever pelo dever. Ao se concentrarem no dízimo minucioso, os fariseus agem por uma conformidade exterior, buscando a aprovação ou a autojustificação, não por um dever moral puro, transformando a lei em um fim em si mesma, e não em um meio para a virtude e o bem comum.

A segunda crítica atinge a vaidade e a busca por honra ("gostais do lugar de honra nas sinagogas, e de serdes cumprimentados nas praças públicas"). Este é um ataque direto à Ética das Virtudes de Aristóteles. O filósofo grego via a honra como a recompensa natural e consequente de uma vida virtuosa (Eudaimonia), e não como um objetivo a ser perseguido por meio de aparências. A atitude dos fariseus revela uma deturpação do caráter, uma busca incessante por status que os leva à hipocrisia, a mais grave das acusações. A metáfora dos "túmulos que não se veem" é poderosa: por fora, parecem estruturas de piedade e solidez; por dentro, são portadores de corrupção moral, de inautenticidade.

Finalmente, a repreensão aos mestres da Lei ("colocais sobre os homens cargas insuportáveis, e vós mesmos não tocais nessas cargas, nem com um só dedo") revela uma estrutura de dominação. Esta passagem pode ser lida sob a lente da Teoria Crítica (Marxismo Cultural), que denuncia como as estruturas ideológicas (neste caso, a Lei rigidamente interpretada) são usadas pela elite (os mestres) para manter seu poder e oprimir o povo. A Lei torna-se um fardo — um instrumento de controle social e não de libertação espiritual. A elite intelectual e religiosa cria exigências que só o povo deve suportar, isentando-se da praxis (prática) exigida.

Em suma, a mensagem de Jesus é uma chamada urgente à coerência e à autenticidade existencial. Ele exige que a prática religiosa e o exercício da autoridade se fundamente na interioridade da justiça e do amor, e não na exibição exterior, no formalismo vazio ou na opressão social. A passagem é um espelho filosófico que questiona todo aquele que, em qualquer era, prega a virtude sem a viver, ou impõe regras sem a responsabilidade de compartilhar o fardo.

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