Amar os inimigos. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 6,27-38.
Em Lucas 6,27-38, encontramos um desafio radical. Jesus nos apresenta aqui uma ética tão elevada que, à primeira vista, parece quase impossível de ser vivida. Para entender a profundidade dessa mensagem, precisamos olhar para ela por diferentes lentes.
Para a teologia, este texto nos fala sobre a natureza de Deus. O mandamento central é “ágape”, o amor incondicional. Este não é o amor de atração (eros) ou de amizade (filia), mas o amor que se doa, que se estende até o inimigo. É um amor que não se baseia no mérito, mas na própria essência de Deus.
A frase “Ele é bondoso até para com os ingratos e os maus” revela um Deus que não retribui o mal com o mal, mas responde ao ódio com amor. A religião nos ensina que essa capacidade de amar o inimigo não vem de nós mesmos. É um dom, uma "gratia" que Deus nos concede. É a ação de Deus em nós que nos capacita a ir além de nossas inclinações naturais de vingança e a praticar a caridade de forma superabundante. O Evangelho nos convida a uma metanoia, uma mudança radical de mente e de coração.
Se para Aristóteles a virtude (areté) está no meio-termo (mesotes), Jesus nos convida a um excesso virtuoso. Dar a outra face, dar a capa e a túnica, emprestar sem esperar retorno. Isso não é moderação. É uma generosidade que transborda. É um ideal de perfeição que vai além do que a razão humana (ratio) poderia conceber sozinha.
O filósofo Immanuel Kant falava do imperativo categórico, o dever de agir de uma forma que gostaríamos que se tornasse uma lei universal. A frase de Jesus "fazei aos outros o que quereis que vos façam" soa como um imperativo categórico. A diferença crucial é que, para Kant, a moral é fundamentada na razão pura; para Jesus, ela é fundamentada na "fides" e na imitação de Deus. A motivação não é apenas o dever, mas o amor.
A Proclamação do Evangelho exige uma escolha radical. No existencialismo, somos definidos pelas nossas escolhas. A escolha de amar o inimigo é um ato de "libertas". Em vez de sermos prisioneiros do ódio e da retaliação, escolhemos a liberdade do perdão. É um ato que confere sentido e autenticidade à nossa existência
A regra do “olho por olho” é a base de muitos sistemas sociais. Jesus propõe uma subversão dessa lógica. Ao perdoar e amar o inimigo, quebramos o ciclo vicioso da violência e da vingança. A mensagem do texto não é apenas uma mensagem para indivíduos, mas uma via para a reconciliação e a coesão social.
O ódio e o rancor são sentimentos que nos aprisionam. O perdão é um processo de libertação. Ao perdoar, não justificamos o mal do outro, mas nos libertamos do peso emocional que o ressentimento causa. O mandamento de não julgar também ecoa a empatia. Ao tentarmos compreender o outro, abrimos um caminho para o perdão e a paz interior.
Lucas 6,27-38 não é um mero sermão de moralidade. É um convite para uma revolução pessoal e social. É uma proposta de vida que, embora desafiadora, nos leva a uma existência mais plena e autêntica. O Evangelho não nos pede para sermos passivos diante da injustiça, mas para respondermos a ela de uma forma que transforma a nós mesmos e o mundo ao nosso redor.
Comentários
Enviar um comentário