A Insensatez da Riqueza Acumulada. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 12,13-21

O Evangelho de Lucas 12,13-21, apresenta a incisiva "Parábola do Rico Insensato". Motivada pelo pedido de um homem para que Jesus arbitrasse uma disputa de herança, a narrativa transcende o mero conflito familiar para se estabelecer como uma profunda advertência contra a ganância e o apego desordenado aos bens materiais. Em uma perspectiva cristã, o texto não apenas estabelece uma ética da moderação, mas questiona o próprio sentido da existência humana e a verdadeira natureza da segurança e da riqueza. O cerne da parábola reside na distinção radical entre o "ajuntar tesouros para si mesmo" e o "ser rico diante de Deus", convidando a uma reflexão sobre as prioridades que conferem significado à vida.

Jesus inicia sua lição com uma exortação categórica: "Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens" (v. 15). A ganância (ou avareza), é um dos sete pecados capitais, pois desvia o coração do homem do seu fim último, que é Deus, e o direciona para a adoração do ídolo do dinheiro (o "Mammon" condenado em outras passagens).

A parábola ilustra essa insensatez: um homem rico, abençoado com uma colheita abundante, mergulha em um monólogo autorreferencial e egoísta. A repetição dos pronomes possessivos ("minha colheita", "meus celeiros", "meus bens") sublinha sua visão de mundo isolada, na qual não há espaço para Deus nem para o próximo. Seu planejamento existencial se resume a acumular para desfrutar do ócio ("Descansa, come, bebe e aproveita!"). A segurança que busca é meramente terrena e ilusória, baseada na quantidade de bens armazenados.

A condenação de Deus ("Louco!") é o ponto de inflexão teológico. O rico é chamado de "insensato" (em grego, aphrōn, que significa "sem juízo", "sem mente") porque negligenciou o elemento mais fundamental e incontrolável da vida: a finitude e a temporalidade. Sua alma ser-lhe-á exigida "nesta mesma noite", dissolvendo todos os seus projetos de vida longa e prazer. O planejamento puramente material revela-se, portanto, uma grande estupidez perante a inevitabilidade da morte.

A parábola questiona a noção de "boa vida" ou "vida plena" (o eudaimonia aristotélico). O rico insensato associa a plenitude ao descanso hedonista e à acumulação sem fim. Jesus, contudo, propõe uma alternativa existencial: a vida humana não é definida pelo ter (possessão), mas pelo ser (a qualidade do relacionamento com Deus e com o próximo). A riqueza terrena é um meio, não o fim da existência.

A riqueza para com Deus (v. 21) é a verdadeira finalidade e segurança. Essa "riqueza" é construída por meio de obras de caridade e justiça, do uso responsável e da partilha dos bens. A tradição católica, ecoando Padres da Igreja como São João Crisóstomo, ensina que os bens materiais não são de posse absoluta e individual, mas possuem um destino universal. O acúmulo excessivo, que impede a partilha com os necessitados, é uma falha grave na caridade e na justiça social.

A parábola, assim, convida a um exame da sabedoria prática (phronesis): a capacidade de discernir o que é verdadeiramente valioso e duradouro. O insensato falhou em perceber que, na hora da morte, só a virtude e as obras de amor o acompanharão, enquanto seus bens terrenos se dissiparão e ficarão "para quem".

O Rico Insensato em Lucas 12,13-21 é mais do que uma condenação moral; é um profundo tratado sobre a escatologia (o estudo das últimas coisas) e o sentido da vida. Ela desmascara a ilusão da autossuficiência e da segurança baseada no materialismo. A Igreja, ao refletir sobre esta passagem, convida seus fiéis a desprenderem o coração das riquezas, a praticarem a solidariedade e a caridade, e a investirem na única riqueza que permanece: a graça e a amizade com Deus. O verdadeiro sábio é aquele que, consciente da brevidade da vida, orienta todas as suas ações para o Reino dos Céus, buscando ser "rico diante de Deus" e não apenas para si mesmo.

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