O Imperativo da Autenticidade e o Valor Incomensurável da Pessoa. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 12,1-7
O Evangelho de Lucas 12,1-7 é um compêndio de ensinamentos morais e teológicos cruciais de Jesus, proferidos a seus discípulos em meio a uma grande multidão. A perícope estabelece uma clara hierarquia de valores e medos, centrada na autenticidade da fé e na dignidade da pessoa humana. O texto nos convida a confrontar aquilo que nos corrompe, aquilo que tememos e, finalmente, a reconhecer nosso inestimável valor à luz da Providência Divina.
Jesus inicia com uma advertência direta: "Tomai cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia." O fermento simboliza uma influência sutil, mas pervasiva. A hipocrisia é a arte da representação, a má-fé filosófica que corrompe a totalidade da vida moral. Não é apenas mentir, mas viver a mentira, estabelecendo uma dualidade entre a fachada pública (religiosa ou moral) e a intenção privada.
A hipocrisia é insustentável: "Não há nada de escondido, que não venha a ser revelado". Esta é uma afirmação de Justiça Metafísica. A verdade, (aletheia) o não-oculto é a essência do Ser. Deus, como a Verdade absoluta, garante que todo ato, público ou secreto, será manifestado, seja na coerência da vida presente ou no Juízo Final. Este princípio obriga o discípulo a um imperativo de coerência.
Um chamado ao destemor diante das ameaças temporais, e à elevação do objeto de nosso temor diante do Poder Humano: "Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, não podendo fazer mais do que isto." O poder humano é limitado. A maior violência que o homem pode infligir é a morte física, um mal temporal. Esta exortação encontra eco na Ética Estoica e no Existencialismo, que afirmam a liberdade interior inalienável do indivíduo perante as contingências externas. O corpo é um bem, mas não o bem supremo.
O Verdadeiro Temor: "Temei aquele que, depois de tirar a vida, tem o poder de lançar-vos no inferno." O temor de Deus não é terror, mas o Temor Filial, o profundo respeito pela Santidade e Soberania de Deus. Ele é o receio de ofender Aquele que é o Bem Supremo, perdendo assim a vida eterna, que é a união com Ele. Esta passagem estabelece a prioridade da alma sobre o corpo e a supremacia dos bens eternos sobre os temporais.
O clímax do texto é o consolo, que paradoxalmente fundamenta o destemor no valor intrínseco da pessoa. Jesus usa a imagem do pardal, a criatura de menor valor econômico, para ilustrar a onisciência e o cuidado de Deus: "nenhum deles é esquecido por Deus." O cuidado divino é universal e minucioso ("Até mesmo os cabelos de vossa cabeça estão todos contados"). Esta é a base da Doutrina da Providência. Deus não é o Deus absconditus (escondido), mas o Deus revelatus (revelado) que age no mundo.
A conclusão é inegociável: "Vós valeis mais do que muitos pardais." Na Antropologia cristã, esta valia é dada por sermos criados à imagem e semelhança de Deus e, mais ainda, por termos sido resgatados por Cristo. A pessoa humana possui dignidade, um valor intrínseco e incondicional, distinto de qualquer preço que o mundo possa lhe atribuir. Essa dignidade é o fundamento de todo o Personalismo e da ética cristã: se Deus Se importa com o pardal e valoriza o homem infinitamente, o discípulo deve se sentir seguro e livre para viver a verdade, pois sua vida e seu destino estão sob o amparo do Amor que tudo sustenta.
Lucas 12,1-7 é, portanto, um manifesto pela liberdade radical. É a liberdade de agir com autenticidade (livres da hipocrisia) e a liberdade de não temer (livres do medo das ameaças humanas), enraizada na certeza inabalável de que somos amados e guardados por uma Providência que conhece o número exato de nossos cabelos. O temor devido é apenas o temor filial de perder esse Amor, a única e verdadeira tragédia.
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