Jesus na cruz. Meditação Filosófica/Teológica de João 19:25-27.

A passagem de João 19:25-27, na qual Jesus, na cruz, confia sua mãe, Maria, aos cuidados do discípulo amado, transcende um mero ato de compaixão filial para se tornar um evento que redefine a própria natureza da comunidade humana.

O cenário da crucificação representa o ápice da absurdidade e da solidão humana, com Jesus enfrentando o abismo da morte em total desamparo. A ordem que Ele dá a João é uma resposta a esse desamparo, não com resignação, mas com um ato de responsabilidade ativa. Ao declarar "Eis aí a tua mãe" e "Eis aí o teu filho", Jesus não realiza apenas um arranjo prático; Ele constrói uma nova realidade social. Demonstra, assim, que a resposta ao desespero existencial não é a passividade, mas a criação de laços que mitigam a solidão e conferem sentido à vida, mesmo diante da finitude. É um ato de autenticidade, no qual, em meio ao sofrimento mais extremo, Ele se preocupa com o outro, redefinindo o que significa ser família.

Sob a perspectiva da Ética do Cuidado, corrente filosófica que se afasta das regras morais abstratas para focar na responsabilidade pelas relações interpessoais, Jesus não age por um imperativo categórico universal, mas por uma responsabilidade pessoal e íntima para com Maria e João. Ele assume a responsabilidade de garantir o bem-estar de sua mãe, mesmo em seus últimos momentos, e a resposta de João — que "a acolheu em sua casa" — é a manifestação da reciprocidade desse cuidado. A nova família que se forma aos pés da cruz não se baseia em laços de sangue, mas em laços de amor e cuidado mútuo. Essa nova forma de parentesco serve de modelo para a comunidade cristã nascente, que é convidada a se enxergar como uma rede de responsabilidade e apoio, na qual a dignidade do outro é a pedra angular da fé.

O evento é um poderoso exemplo de como a psique humana lida com a dor e a perda. Jesus e Maria estão em meio a um processo de luto antecipatório. O ato de Jesus de entregar sua mãe a João pode ser interpretado como um mecanismo de transferência de afeto e responsabilidade. Ele transfere seu papel de filho, e Maria, por sua vez, pode transferir seu afeto materno. Esse ato não elimina a dor da perda, mas oferece um caminho para a reorganização emocional. João assume o papel de uma figura de apego, proporcionando a Maria o suporte e a segurança necessários para atravessar o luto. A cena, portanto, ilustra como a fé e a comunidade fornecem um arcabouço psicológico para enfrentar a crise, permitindo que a pessoa reconstrua sua vida e suas relações após uma perda significativa.

Assim, a proclamação do Evangelho nesse momento crucial não é um ato de redenção solitário, mas um ato de criação social e humana. Ela nos ensina que, mesmo no auge do sofrimento, a resposta reside na solidariedade, no cuidado mútuo e na construção de uma comunidade que transcende os laços biológicos e se fundamenta no amor. A proclamação, aqui, é a da dignidade humana, da necessidade de comunhão e do poder do amor para transformar a tragédia em um novo começo.

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