As crianças na praça. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 7:31-35
Podemos explorar as profundas camadas da passagem de Lucas 7:31-35, onde Jesus compara sua geração a crianças em uma praça, que não respondem nem ao choro fúnebre nem à alegria da flauta. A riqueza desse texto nos convida a refletir sobre a natureza humana, a comunicação e o julgamento.
Analisando através de uma lente filosófica que questiona a existência do mal e a responsabilidade humana. Jesus aponta para a hipocrisia e a inação de sua geração, que rejeitou tanto João Batista (asceta e austero) quanto Ele próprio (alegre e acessível). Essa recusa em aceitar a mensagem, independentemente de sua forma, ecoa o conceito de má-fé de Jean-Paul Sartre. Para Sartre, a má-fé é uma auto-ilusão onde negamos nossa própria liberdade e responsabilidade, culpando as circunstâncias ou os outros por nossa inércia. A geração de Jesus, ao rejeitar o Evangelho sob pretextos superficiais, demonstra essa má-fé, evitando a responsabilidade de mudar e se arrepender.
Os estoicos valorizavam a razão e a aceitação do que não pode ser mudado. Embora a passagem de Lucas não seja sobre aceitação, ela critica a incapacidade de discernir e agir com base na razão. A geração é "inconstante" e "irracional", incapaz de reconhecer a sabedoria divina manifestada de maneiras diferentes. Jesus, ao contrastar a atitude de João Batista e a sua, está na verdade questionando a lógica de seus ouvintes: por que condenar o asceta e o festivo, se a mensagem em ambos os casos é de Deus?
Do ponto de vista psicológico, esta passagem biblica é um estudo fascinante sobre a resistência à mudança e a incongruência. A atitude da geração de Jesus pode ser vista como um mecanismo de defesa, onde a mensagem divina, que exige transformação, é rejeitada para manter o status quo e a zona de conforto.
Segundo Leon Festinger, a dissonância ocorre quando uma pessoa mantém crenças, atitudes ou comportamentos contraditórios. A geração de Jesus se encontrava em um estado de dissonância: eles tinham a expectativa de um Messias específico, e quando a realidade não se encaixava nesse molde, eles rejeitavam a realidade para manter a crença inicial. Eles precisavam justificar sua inação, e a forma mais fácil era desacreditar os mensageiros.
A geração de Jesus pode estar projetando sua própria sombra (a incapacidade de se comprometer, a hipocrisia) nos mensageiros divinos, acusando-os de defeitos que são, na verdade, seus. Ao rejeitar o Evangelho, eles estão negando o chamado para integrar sua própria sombra e se tornarem pessoas mais completas.
A passagem culmina com a frase: "A sabedoria é justificada por todos os seus filhos". A etimologia dessa frase nos dá pistas importantes. A palavra grega para "sabedoria" é sophia (\sigma \omicron \phi \iota \alpha), que não se refere apenas ao conhecimento, mas também ao discernimento, à prudência e à habilidade de agir corretamente. Essa sabedoria não é abstrata; ela é "justificada" (dikaioo \delta \iota \kappa \alpha \iota \omicron \omega), que significa "declarar justo" ou "considerar justo". Em outras palavras, a sabedoria é validada pelas "ações" e pelos "resultados" daqueles que a aceitam. A verdadeira sabedoria não é teórica, mas prática e visível na vida daqueles que a vivem. A recusa de uma geração inteira de ver essa sabedoria em ação é, portanto, uma manifestação de sua própria cegueira.
Em suma, a passagem de Lucas 7:31-35 é um espelho que nos confronta. Ela não é apenas uma história sobre o passado, mas uma reflexão atemporal sobre a nossa própria capacidade de julgamento, a nossa tendência à hipocrisia e a nossa resistência em acolher a verdade, mesmo quando ela se manifesta de maneiras inesperadas. A mensagem final é clara: a sabedoria se prova por si mesma, não importa a forma que ela assume. O desafio, então, é estar aberto para vê-la.
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