Casa do fariseu e a mulher pecadora. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 7,36-50

A cena de Lucas 7,36-50, tão rica em detalhes e implicações, convida-nos a um aprofundamento, tocando em questões de ética, conhecimento e a própria condição humana.

O relato começa com um fariseu, Simão, que convida Jesus para um banquete. A palavra "fariseu" vem do hebraico perushim, que significa "separados". Essa separação não era apenas geográfica ou social, mas também uma marca da sua busca pela pureza ritual e pela estrita observância da Lei. Simão, portanto, age a partir de um lugar de convenção e rigor.

A chegada da mulher, descrita como "pecadora", quebra o protocolo e a ordem estabelecida. O termo "pecador" (hamartolos em grego) vem de hamartia, que significa "errar o alvo". Essa falha não é apenas moral, mas existencial, um desvio da plenitude da vida. A ação dela - ungir os pés de Jesus com um perfume caríssimo e enxugá-los com seus cabelos - é um ato de subversão, que desafia a lógica de Simão.

Simão, em seu íntimo, constrói um silogismo: "Se este homem fosse profeta, saberia quem e que tipo de mulher é esta que o toca, porque ela é uma pecadora." Ele parte de uma premissa maior (profeta sabe tudo), uma premissa menor (essa mulher é pecadora) e chega a uma conclusão (Jesus não é profeta). Sua lógica, no entanto, é superficial, baseada na aparência e na reputação. Ele julga sem conhecer, na acepção mais profunda do termo.

Jesus, ao perceber os pensamentos de Simão, introduz uma parábola sobre dois devedores. Um devia muito, o outro, pouco. Ambos são perdoados. A pergunta de Jesus: "Qual deles o amará mais?" introduz o conceito de amor (agape em grego), um amor incondicional, diferente do eros (amor passional) ou da philia (amor fraterno).

A resposta de Simão, "Creio que aquele a quem mais se perdoou", é o ponto de virada. Jesus utiliza essa lógica do próprio Simão para revelar a profundidade da ação da mulher. A palavra "graça" (charis em grego) está intimamente ligada a esse conceito de ágape. Ela não é merecida, não é conquistada; é um dom. A mulher, ciente da imensidão de sua dívida existencial, demonstra um amor proporcional à graça recebida.

A ação de Jesus, ao perdoar os pecados da mulher, não se baseia em sua perfeição moral, mas em sua fé (pistis em grego), que significa não apenas crença intelectual, mas confiança, entrega total. A libertação dela não é um mero perdão legal, mas uma restauração ontológica, uma volta à plenitude de seu ser.

A atitude de Simão é regida por um nomos, a lei, que em sua rigidez, aprisiona. Ele age de acordo com as normas sociais e religiosas, mas esquece-se da ética, que, em sua origem grega (ethos), refere-se ao caráter, ao modo de ser. A ética de Jesus, ao contrário, é a da compaixão (pathos), que é o "sentir com". Ele não julga a mulher pela sua história, mas a encontra em sua necessidade.

O gesto de Jesus, de permitir-se ser tocado por uma "pecadora", é um ato de transgressão que redefine as fronteiras do puro e do impuro. Ele inverte a lógica do mundo: quem mais ama é quem mais foi perdoado, e a fé verdadeira se manifesta em ações de amor, e não na estrita observância de rituais.

Lucas 7,36-50 é um convite a uma metanoia, uma mudança de mente, uma inversão de valores. Ela nos leva a questionar nossas próprias certezas, nossos julgamentos e a forma como nos relacionamos com o mundo. O evangelho (euangelion em grego), que significa "boa notícia", não é apenas um relato histórico, mas uma filosofia de vida que nos convoca a uma ética da compaixão e do amor incondicional.

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