Quem é minha mãe? Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 8,19-21

A passagem de Lucas 8,19-21, nos apresenta um cenário aparentemente simples, mas que esconde uma profunda subversão de valores. A mãe e os irmãos de Jesus o procuram, mas ele, ao ser informado, responde com uma frase que ressoa através dos séculos: "Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática". Essa declaração, que à primeira vista poderia soar como um desprezo aos laços de sangue, é, na verdade, uma redefinição radical do que significa ser humano e pertencer a uma comunidade.

Percebemos que Jesus não está negando a família biológica, mas sim elevando a moralidade e a escolha individual a um patamar superior. A resposta de Jesus é um convite à autenticidade. Ele nos lembra que a nossa identidade não pode ser definida apenas pelas circunstâncias em que nascemos, mas é forjada por nossas escolhas. A "família" de Jesus não é um grupo de pessoas unidas pelo sangue, mas uma comunidade de indivíduos que, livremente, escolhem seguir um mesmo propósito, um mesmo ideal. É a liberdade do ser para si que se sobrepõe ao mero ser em si.

Jesus realiza um ato de resignificação. Ele esvazia a palavra "família" de seu significado tradicional e a preenche com um novo sentido. A partir de então, "família" não é mais um substantivo que designa laços biológicos, mas um verbo, uma ação. Ser "família" é ouvir e praticar a Palavra de Deus. Jesus nos convida a um novo jogo de linguagem, onde as regras da comunidade são alteradas. A filiação não é uma herança, mas uma conquista moral.

Por fim, e talvez o mais importante, a passagem nos convida a refletir sobre a ética e a moralidade. A resposta de Jesus não é apenas um ato de fé, mas um princípio ético. Ele nos mostra que a verdadeira comunidade não se baseia em laços biológicos, mas em um compromisso com valores e ações compartilhadas. Para Aristóteles, essa nova "família" de Jesus seria uma polis moral, uma comunidade baseada na práxis, onde a virtude é a prática constante do bem. E para Kant, a resposta de Jesus poderia ser vista como um imperativo categórico: a nossa filiação à comunidade humana é definida pelo nosso dever moral de agir de acordo com princípios que podem ser universalizados.

Em um mundo onde a individualidade muitas vezes se perde em meio a laços e identidades predefinidas, a mensagem de Jesus em Lucas 8,19-21 é um lembrete poderoso. A verdadeira família, a verdadeira comunidade, é aquela que construímos com nossas escolhas, com nosso compromisso ético e com a nossa capacidade de transcender o biológico para abraçar o moral.

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