Jesus envia os 12 em missão. Meditação Filosófica/Teológica de Lucas 9,1-6

Nesta oportunidade, vamos mergulhar em um texto bíblico conhecido, Lucas 9,1-6, mas de uma maneira diferente. Sob a lente da filosofia e da linguagem.

O texto começa com Jesus concedendo aos seus discípulos "poder" e "autoridade". A palavra grega para poder, neste contexto, é dýnamis. É a mesma raiz de onde vêm as nossas palavras "dinamismo" e "dinamite". Pense nisso: não é um poder estático, mas uma força explosiva, uma energia para transformar a realidade. Jesus não dá aos discípulos uma posição de honra, mas uma capacidade de agir.

A segunda palavra é "autoridade", do grego exousía. Ela se refere ao direito de agir, à liberdade de fazer algo. A união de dýnamis e exousía é fundamental: Jesus não apenas dá a força (o poder), mas também a permissão e o direito de usá-la.

Jesus instrui os discípulos a não levarem nada: "nem bordão, nem sacola, nem pão, nem dinheiro; nem duas túnicas". Essa é a parte mais radical e fascinante para uma análise filosófica.

Para os estoicos como Sêneca e Epicteto, a verdadeira liberdade e felicidade vêm do desapego. Eles praticavam o domínio sobre os bens externos, sobre o que está fora de nosso controle. A instrução de Jesus de não levar nada se alinha perfeitamente com essa ideia. A força dos discípulos não está em sua bagagem, mas em sua virtude, em sua autossuficiência. Eles se tornam, por sua própria vontade, indiferentes aos objetos materiais. O que importa é a missão em si, não os recursos para a missão.

Em seguida, temos o Cinismo. O filósofo cínico mais famoso, Diógenes de Sinope, vivia em um barril e rejeitava todas as convenções sociais e materiais. Ele vivia de forma simples para mostrar que a verdadeira riqueza é a liberdade. A missão dos discípulos, itinerante e sem bens, é uma espécie de cinismo em ação. Eles andam de cidade em cidade, vivendo de forma radical, e sua própria vida se torna a mensagem. Eles são a prova viva de que é possível viver sem as muletas da sociedade.

Finalmente, o texto fala sobre a rejeição: "E se, em alguma cidade, não vos receberem, sacudi o pó dos vossos pés". A palavra grega para "pó" é koniortós, que também pode significar poeira. O ato de sacudir o pó não é um gesto de raiva, mas de distanciamento.

Essa ideia nos leva a um conceito da filosofia da alteridade. A alteridade é o encontro com o "outro", aquele que é diferente de mim. Na filosofia de Lévinas, o "outro" é sagrado e nos impõe uma responsabilidade ética. A rejeição, no entanto, é a negação dessa responsabilidade. O gesto de sacudir o pó é um reconhecimento filosófico: o outro, em sua liberdade, recusou o encontro. A responsabilidade do discípulo acaba ali. É um gesto de desvinculação, de respeito pela autonomia do outro, mesmo que essa autonomia signifique rejeição.

Lucas 9,1-6 é mais do que uma simples ordem. É uma filosofia de vida. É uma demonstração de que o poder verdadeiro não vem de fora, mas de dentro. É um chamado para o desapego e para a ação. É uma lição sobre como lidar com a aceitação e a rejeição, e como viver uma vida onde a teoria (a palavra) e a prática (a cura) são inseparáveis.

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