Segundo anúncio da Paixão. Meditação Filosófica/ Teológica de Lucas 9,43b-45.
Refletindo sobre um trecho do Evangelho de Lucas 9,43b-45 que, em poucas palavras, revela um dos maiores mistérios da nossa fé e, ao mesmo tempo, um profundo desafio filosófico e teológico: a incompreensão diante da Paixão de Cristo.
O texto começa logo após a admiração de todos diante das grandes obras de Jesus. É o auge da popularidade e do reconhecimento de seu poder divino. A multidão e os discípulos estão maravilhados com os milagres, a teofania da glória de Deus.
No entanto, é nesse momento de glória que Jesus insere uma verdade dissonante e crucial, o segundo anúncio da Paixão.
Identificamos neste anúncio a aceitação plena da vontade do Pai e a verdade da Encarnação. O Filho de Deus, que acabara de manifestar seu poder, agora anuncia seu caminho de esvaziamento total, de Kenosis.
Este trecho confronta a nossa noção de poder e sucesso. Para o mundo, o poder reside na força e no triunfo; Jesus, porém, redefine o poder como a entrega, o sacrifício e o serviço. A lógica humana da ascensão é invertida pela lógica divina da descida e da entrega na Cruz.
A Palavra 'Ser Entregue': O termo grego para "entregue" (paradídotai) sugere ser traído, mas também entregue nas mãos de Deus, num ato de obediência redentora. É o amor levado às últimas consequências, a antítese do egoísmo.
Os discípulos não compreenderam o que Jesus dizia. O sentido lhes ficava escondido, de modo que não podiam entender; e eles tinham medo de fazer perguntas sobre o assunto. Aqui reside um ponto central da nossa reflexão filosófica e espiritual:
A Dificuldade com o Sofrimento Redentor: Os discípulos, imersos na mentalidade messiânica da época, esperavam um Messias glorioso e político, que restauraria o reino de Israel. A ideia de um Messias sofredor e derrotado era contraditória à sua visão de mundo, sua "filosofia" de vida.
O "Sentido Escondido" (O Mistério): Lucas afirma que "o sentido lhes ficava escondido." Isso não é uma simples falta de inteligência, mas uma incapacidade de aceitar a verdade da Cruz. O mistério de Cristo só pode ser compreendido plenamente pelo dom do Espírito Santo, que virá após a Ressurreição, e pela disposição do coração para aceitar a cruz como caminho para a glória.
O medo dos discípulos é revelador. Muitas vezes, nós também preferimos a superficialidade dos milagres e bênçãos à profundidade do seguimento que exige sacrifício. O medo de perguntar reflete o medo de se confrontar com a verdade que exige uma mudança radical de vida, rejeitando a Cruz.
Este Evangelho nos convida a ir além da admiração superficial dos milagres de Jesus. Ele nos confronta com a necessidade de aceitar a Palavra em sua totalidade, inclusive o anúncio do sofrimento e da entrega.
Nos desafia a perguntar: Qual é o nosso conceito de "salvação"? Um simples conforto material ou a redenção que passa pelo sofrimento unido ao de Cristo? Lembrando que o caminho da cruz é o único caminho para a Ressurreição. Não podemos ter o Cristo Glorioso sem o Cristo Entregue.
Que o Espírito Santo nos conceda a graça de não termos medo de perguntar, de acolher a Palavra em nossos ouvidos e corações, e de abraçar a cruz como o verdadeiro sentido do seguimento de Jesus.
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