Na leitura de hoje, Mateus 14, 22-36. Trata-se da passagem em que Jesus e Pedro caminham sobre as águas. Em uma reflexão Teológica, um dos significados dessa passagem reside no fato de que Pedro caminha sobre as águas não por suas próprias forças, mas pela graça divina na qual crê. Quando ele se sente dominado pela dúvida, quando deixa de fixar o olhar em Jesus e teme o vento, quando não confia plenamente na palavra do Mestre, isso indica que, interiormente, ele está a se afastar dele, e é nesse momento que corre o risco de afundar no mar da vida. O mesmo ocorre conosco: se olharmos unicamente para nós mesmos, tornamo-nos dependentes dos ventos e já não conseguimos atravessar as tempestades e as águas da vida.
Porém, podemos aprofundar ainda mais a interpretação e lançar mão de conceitos ainda mais universais do entendimento humano. Eu sei que a fé, no sentido religioso, não seja algo central para todos, mas a história tem paralelos com a filosofia e com a nossa própria experiência de vida.
A passagem não é apenas sobre um milagre, mas uma metáfora poderosa. Pedro consegue caminhar sobre o mar porque tem um foco inabalável em Jesus. A "fé" dele é como um princípio orientador que o sustenta. O momento em que ele começa a afundar é quando desvia o olhar, foca no vento e nas ondas, e deixa o medo dominá-lo. As adversidades externas — o vento, o mar agitado — não são a causa real do seu problema. A verdadeira ameaça está na sua perda de foco e no medo interior.
Essa dinâmica me faz pensar na filosofia, especialmente no estoicismo. Os estoicos nos ensinam que não podemos controlar os eventos externos, mas podemos controlar nossa reação a eles. O vento e as ondas seriam as adiáforas — as coisas que não podemos mudar. O medo de Pedro, por sua vez, é a paixão (pathos), a emoção irracional que o perturba e o faz falhar. O "olhar fixo em Jesus" pode ser interpretado como a razão estoica, que nos mantém concentrados no que realmente importa: nossas escolhas e julgamentos.
Há também uma conexão com o existencialismo. Pedro, caminhando sobre as águas, pode ser visto como alguém que cria seu próprio sentido em meio ao caos. Quando ele hesita, enfrenta a angústia existencial — a sensação de estar à deriva em um mundo sem sentido. Clamar por Jesus, nesse contexto, seria um ato de reafirmar seu propósito inicial, sua "razão de ser", em vez de se render ao pânico. A "mão" de Jesus que o salva é, em certo sentido, a manifestação da força que ele mesmo havia escolhido seguir.
No fundo, a passagem de Pedro me parece ser uma reflexão sobre a importância de manter um foco interno — seja ele a fé, a razão ou um propósito pessoal — diante das forças caóticas da vida. A maior ameaça não são as tempestades lá fora, mas a dúvida e o medo que nos fazem afundar aqui dentro.
Espero que essa perspectiva possa trazer um momento de reflexão.